Você pode ser um milionário e não saber | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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Você pode ser um milionário e não saber

Um desenho comprado por 30 dólares, numa venda de garagem, foi avaliado em 10 milhões de dólares, ou 53 milhões de reais pela cotação de hoje. Nada mau para o proprietário, que ignorava se tratar de Albrecht Dürer, considerado o maior artista alemão do renascimento.

Se você possui guardados supostamente sem valor, é melhor ficar atento. Quem sabe, entre eles se esconde um Matisse, supostamente desaparecido. Não duvide. A história que vou contar se passou em 1987, é cheia de lances engraçados e juro que não é ficção.

Em 1987 eu andava às voltas com o disco Bandeira de São João e cismei que a capa seria de Antonio Volpi, um quadro com o nome Mapa da costeira. Trata-se de uma pintura incrível, encontrada não sei em que porões de um ministério, em situação deplorável. Descobri que um milionário paulista possuía uma tela miniatura, igual, Estudo para mapa da costeira.

Volpi concedeu o uso da pintura e o milionário aceitou que o quadro fosse fotografado, apenas exigiu o fotógrafo, que já tinha trabalhado com Antonio Madureira e comigo no livro Danças Populares do Brasil. Imaginem o quebra cabeça que foi juntar um fotógrafo famoso, sempre viajando, com um empresário solto no mundo. O disco Bandeira de São João, o segundo da Trilogia das festas brasileiras, seria lançado no mês de junho, mas só ficou pronto em novembro. Valeu a pena. A capa é linda.

A história que vou contar, aparentemente, não tem nada a ver com essa que narrei. Mas é que nessa época andei enrolado com marchands, colecionadores de arte e empresas de publicidade. Por conta disso, uma médica amiga de minha esposa pediu ajuda num caso estranho.

O irmão dessa amiga, há alguns anos, tinha sido transferido para Salvador, onde alugou um apartamento. Encontrou o imóvel cheio de tralhas e, no meio delas, uma pintura a óleo com uns rabiscos estranhos, que ele pensou logo em jogar no lixo. Por insistência da esposa, concedeu que o quadro ficasse no quarto da empregada (isso mesmo, todos sabem que esse é o despejo das casas e apartamentos).

Muito tempo depois, o personagem foi novamente transferido e estava empacotando a mudança quando apareceu um amigo inoportuno para as despedidas. O cara, que manjava de arte, percebeu o quadro no meio dos refugos, e sofreu uma fisgada.

– O que esse Joan Miró faz no meio dessa tralha? perguntou.

– Joan Miró, o que é isso?

– Porra, você tem um Joan Miró em casa e não sabe do que se trata? Esse quadro deve valer uma grana. Está no seguro?

– No seguro? Estava no quarto da empregada espantando as muriçocas.

Começa o nervosismo, o medo de ser roubado, a paranoia de imaginar-se dono de uma obra valiosa, por acaso. O que fazer? Não é do ramo artístico, trabalha como engenheiro de produção numa fábrica de tintas. Sugerem que procure Pietro Maria Bardi, em São Paulo. O criador do MASP saberia avaliar a autenticidade e valor da obra. Pietro propõe compra para o MASP. O nosso personagem acha a grana boa, mas suspeita que deve valer bem mais. O estresse se transforma em pânico, ele esquece o quadro no taxi para o aeroporto. Volta ao hotel, perde o voo. Na portaria, informam do pacote deixado por um taxista.

Entrei nesse enredo quando ajudei a localizar uma funcionária da Fundação Joan Miró, em Barcelona, irmã do agente publicitário que me ajudava nas negociações com Volpi. Ela poderia avaliar com mais precisão o valor da obra. Andei vários dias com fotos do quadro e, numa noite, contei a história a meu pai, lá no Crato. Apreciador de livros de suspense, ele ria e esfregava as mãos a cada reviravolta do enredo. Por fim, me perguntou:

– Esse quadro é muito bonito, meu filho?

– Tenho as fotos, vou lhe mostrar.

Peguei-as em minha bolsa e dei-as pra que visse.

Ele olhou, sem descobrir a posição correta de olhar. Depois me deu de volta, decepcionado.

– E é essa merda, meu filho? Eu teria jogado no lixo no primeiro dia.

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