Só praticando um haraquiri | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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Só praticando um haraquiri

Sim, sim, todos vinculam o romance O castelo, de Franz Kafka, a um sistema burocrático eficiente e inescapável, que se confirmou com o stalinismo e o nazismo. Desde então, a burocracia vem se aperfeiçoando a instâncias de loucura.

Ontem, vivi uma experiência irritante e enlouquecedora. Fui comprar peças de uma roçadeira à gasolina, dessas que aporrinham nossos ouvidos, limpando o mato de ruas e calçadas do Recife. Na hora de pagar, enfiei o cartão na maquineta e apareceu o aviso: procedimento incompatível.

– Oxe, acabei de passar num posto de gasolina, falei para a caixa.

– Tente outra vez.

Depois de quatro tentativas, a caixa sugeriu:

– Experimente por aproximação.

Experimentei duas vezes e li a frase irritante: procedimento não liberado.

– Não é possível, murmurei tímido.

As pessoas na fila me olhavam como se eu fosse um caloteiro, além de se chatearem com a demora. Fui encaminhado a outro caixa e tudo se repetiu da mesma maneira. Decidi pagar com Pix, mas era necessário fazer um cadastro, que demorava. Propus pagar com dinheiro (felizmente tinha passado num banco) e me mandaram retornar ao vendedor para emissão de outra nota, porque mudara a maneira de pagamento.

Ao chegar em casa, liguei para central do Banco do Brasil, administradora do meu cartão. Depois de falar com dois computadores, que me avisaram sobre a gravação da conversa, cheguei a uma atendente não virtual, que me chamou pelo primeiro nome, com bastante intimidade.

– Olá, Ronaldo.

– Bom dia Sra. Daniela (ela anunciara o nome).

Pediu números de CPF, RG, número do cartão, endereço… O sotaque é sempre abominável e tenho tanta dificuldade em compreender o que falam como em entender o português de Portugal.

– Qual o problema?

– Passei o cartão sete vezes em duas maquinetas, aproximei três vezes e ele não funcionou.

– Um momeeeeento!…

Espero.

– Mais um momeeeeento!…

Aguardo, durante cerca de dez minutos, escuto vozes do outro lado.

– Consta que o senhor aproximou o cartão por três vezes, e esse procedimento não está autorizado.

– Não senhora, eu passei o cartão em duas maquinetas por sete vezes, quatro vezes em uma delas e três vezes em outra. E sempre fiz compras pagando por aproximação.

– No meu sistema consta que senhor fez três aproximações.

– Passei sete vezes o cartão em duas maquinetas e não funcionou.

– No meu sistema o senhor fez apenas três tentativas de aproximação e não está habilitado para isso.

– Mas ontem paguei dessa maneira.

– O sistema diz que o senhor não está habilitado. E só fez três aproximações.

Perco a paciência.

– A senhora parece um robô repetindo a mesma coisa. Acha que não tenho o que fazer? Que sou mentiroso? Iria perder o meu tempo falando com a senhora?

– No que mais posso ajudá-lo?

– O que faço com o cartão? Ele não funciona.

– Seu cartão está perfeito. No meu sistema consta que está funcionando, apenas não foi habilitado para aproximação.

Grito.

– Sempre usei-o por aproximação.

– Em que mais posso ajudá-lo?

– Cancele o cartão.

A ligação cai.

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