O bobo que mora em nós | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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O bobo que mora em nós

Você acha que os bobos só falam disparates e nunca devemos considerar suas observações? Que é melhor obedecer à regra: a palavras loucas ouvidos moucos?

Se você acredita que apenas os homens sérios conhecem verdades e agem com discernimento, precisa rever a literatura e as histórias de tradição oral, onde os bobos e loucos proferem sabedorias, montam estratégias e abrem os olhos dos aparentemente lúcidos. Aos racionais escapa a dimensão do que é perturbador e inacabado, o mais instigante da experiência humana. Aquilo que sobra nos bobos.

Chamar atenção para a verdade e desmascarar o falso por meio de disparates e absurdos não é tarefa simples; há quem prefira continuar na cegueira. Por isso os bobos caíam na desgraça dos seus reis e da corte de bajuladores que os cercavam.

Não sei se você gostaria de ter um bobo dentro de si, debochando de suas mancadas e questionando seus acertos. Os bobos brincam com tudo, parecendo não levar nada a sério, ao contrário do Grilo Falante, aquele personagem moralista da história de Pinóquio, que enchia o juízo do menino de bons conselhos.

A sabedoria dos bobos provém da intuição.

Foi Carl Jung quem identificou quatro funções psicológicas fundamentais: pensamento, sentimento, sensação e intuição. Segundo ele, toca ao pensamento e ao sentimento, julgar e decidir. O intuitivo fareja possibilidades futuras e dá palpites; atua com os guardados do inconsciente. O “bobo da corte” seria um intuitivo.

Nunca damos ouvido a essa voz quase sobrenatural. Somos lógicos demais, cultivamos a razão como legado dos tempos modernos. Os bobos simbolizam as vozes reprimidas dos mais fracos. Serviram de motivo para o teatro, a literatura e o cinema. Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura, criado pelo espanhol Miguel de Cervantes, andava com um escudeiro apalermado, Sancho Pança, que muitas vezes tomava decisões no lugar de seu senhor. No teatro de commedia dell’arte, os patrões tratam os criados como se eles não possuíssem inteligência, mas na verdade são bem espertos, movimentam o enredo e encontram soluções para todas as enrascadas dos casais enamorados.

A trama mais bem elaborada sobre a relação de um rei com o seu bobo está na peça Rei Lear, do inglês William Shakespeare. Faltou intuição a Lear. Se ouvisse as lorotas do bobo, alertando-o de que o cérebro não fica nos calcanhares, não teria feito as asneiras que fez. Mas, as pessoas desconfiam do que não é pragmático, temem as revelações de natureza inconsciente. No Rei Lear, o bobo e o rei trocam seus papeis: a razão enlouquece e a loucura adquire lógica.

As nossas quatro funções não são estáticas, elas se alternam, crescem ou diminuem. É preciso ficar alerta: dentro de um rei mora um bobo. E vice-versa.

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