Viva o partido encarnado! | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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Viva o partido encarnado!

A bandeira vermelha não tem a foice e o martelo dos comunistas, nem a estrela do partido dos trabalhadores. É um pano limpo, sem símbolos bordados, vermelho vivo, solar, indicando força impulsiva, Eros triunfante. Não possui legenda, é só bandeira vermelha. As pessoas dizem – “Eu sou do vermelho”, e pronto!

A bandeira azul nem parece deste mundo. Tremula celeste, eterna, sobre-humana. Acalma o olhar, sugerindo pureza, fuga do real. Não ostenta um único signo em sua trama, pano sem costuras, agitado pelo vento. Também não pertence a qualquer partido, revela apenas sua cor.

Rivais antigos, o vermelho e o azul se entrincheiram em campos diferentes. Vermelhos, os mouros; azuis os cristãos. Puro e frio o azul, orgiástico e ardente o vermelho. O azul simboliza desapego, o vermelho poder. Materno, o primeiro; paterno, o segundo. Zeus e Jeová descansam os pés sobre o azul celeste. Dioniso molha as mãos no sangue vermelho do amante. Inimigos, conciliam-se apenas quando um rei ou um santo os sobrepõe no manto. Mesmo assim, um está por cima e o outro por baixo.

É justo que as gentes do Nordeste lancem mão desses símbolos ancestrais, nas disputas políticas. São tantos os partidos sem clareza nas ideologias. As cores se perpetuam imortais nos seus significados, transparentes no que representam, sem armadilhas ou ciladas, desde os tempos mais antigos, em todas as culturas. Os partidos políticos não: mostram-se cambiantes, fazem aliança com qualquer um, barganham, compram, vendem-se. Não se sabe o que eles representam, o que defendem, o que são. Não se posicionam no centro, nem à direita, nem à esquerda. São todos liberais, gentis e democratas, sem exceções. Até assumirem o poder.

Nada espantosa a vista dos telhados das casas das cidadezinhas do agreste pernambucano, encimadas por bandeiras, lembrando tendas árabes a sitiarem algum castelo medieval. Nossa herança ibérica manifesta-se, nosso gênio belicoso, ávido por definição, assume-se vermelho ou azul, branco ou verde, amarelo ou encarnado. Não importa o candidato que representam essas cores, muitas vezes ancorado em até nove siglas de partidos, geleia amorfa, sem outro rumo que o dos interesses particulares e subalternos, geralmente do próprio bolso.

As bandeiras dançam no alto das torres, nas garupas das motos, na copa das árvores, nas mãos das crianças, que mal aprenderam a balbuciar a palavra azul ou vermelho. Quando os lados contrários se insultam, os beligerantes não emitem os sons abstratos das siglas, feios e vazios de significado. Gritam os nomes das cores:

– Vermelho desgraçado!
– Vou quebrar teu orgulho, azul infeliz!

É assim que eles falam. E aos gritos de azul e vermelho se atacam a pedradas, porretes, com unhas, rachando cabeças, arrancando orelhas. Uma ferocidade sem ideologia, sem consciência política. No furor da disputa, que despacha dezenas para as emergências dos hospitais, não se escuta um único insulto às siglas partidárias: PMDB, PSDB, DEM, PT, PSB, PDT, PTB, PSC, PSTU, PSOL, PC do B, PHS, PMN, PPS ou mesmo um REDE. Tais siglas se diluíram em conchavos, em fisiologismo de feijoada, onde cabem todos os temperos. Os partidos não ganharam espaço na memória das pessoas, porque eles próprios não têm memória, nem tradição, nem coerência, seguem a força das marés, levados pela única vontade do continuísmo. Diluíram-se nos arranjos eleitorais.

As disputas lembram as brincadeiras dos pastoris, do ciclo natalino. Lá estão a Mestra do cordão encarnado, a Contramestra do azul, e a Diana, vestida com as duas cores, indecisa entre um lado e outro. Só que os políticos, matreiros e cavilosos, estão mais para o Velho, comandante da função.

– Viva o cordão vermelho! Quanto dão por um beijo na Mestra?
– Cinco reais!
– É pouco, mas vai para o meu bolso!

Os eleitores simples, apaixonados e parciais, hesitantes como a direção do vento, inclinam-se ora para o vermelho ora para o azul, para lá ou para cá, brigando pela cor do seu partido, morrendo pela Mestra ou pela Contramestra. Administrando essa fraqueza amorosa – a ignorância política dos torcedores – o Velho, candidato ardiloso, recita uma loa, antes da orquestra tocar:

Quem quiser que o Velho dance
dê-lhe um níquel de tostão,
o Velho fica contente,
faz das tripas coração.

Ingênuas, as pastorinhas cantam a jornada:

Nas vossas mãos, botamos nossa sorte…

O Velho esperto não está nem aí para a confiança das pastoras. Deixa que as cores se engalfinhem, enquanto a orquestra troa. E, quase sempre, foge com o apurado da noite para um paraíso fiscal do Caribe.

Foto: Pri Buhr

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