No sertão cearense como em Israel? | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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No sertão cearense como em Israel?

No Crato havia uma retratista, que no final da vida tornou-se famosa e fez exposições em museus e galerias de arte. Bom, famosa ela sempre foi entre sua clientela. Quando não existiam fotografias a cores, Telma Saraiva pintava os retratos produzidos no seu estúdio, na rua da Vala. Eram as fotos-pinturas. O Saraiva tornou-se marca e grife. As imagens mais exuberantes expostas são da própria artista, que gostava de posar para as câmaras e depois pintar-se, recompondo-se no melhor estilo de um Photoshop de agora.

Ninguém precisava ser milionário para ter uma foto pintada e retocada a mão. No momento em que escrevo esse texto, os retratos emoldurados do meu pai e da minha mãe olham para mim, da parede onde os pendurei. Papai usa paletó, gravata e lenço de ponta no bolso. Segundo me falou, quando os retratistas passaram em nossa casa, na fazenda Lajedos, sertão dos Inhamuns, no Ceará, ele acabava de chegar do campo e vestia calça e camisa de algodão riscado. Possuía o terno do casamento, de linho diagonal branco, gravata e lenço vermelhos de seda. Um luxo para a época. “Não é preciso se trocar”, falaram os fotógrafos. “Deixe por nossa conta”. O cabelo liso e repartido no lado esquerdo, o bigode fino e o rosto bonito são do meu pai. A foto, dos homens vindos de longe.

Mamãe estava grávida do primeiro filho. Para ela criaram um glamoroso vestido de musselina verde com pequenas estampas, um cabelo ao estilo Rita Hayworth, e apagaram os sinais de gravidez. Entronizados na parede principal da nossa sala, ao lado do Coração de Jesus e de Maria, nos habituamos a vê-los com essa falsidade hollywoodiana.
Sempre tive fascínio por retratos. Não existia no sertão uma residência pobre ou rica, que não exibisse sua galeria, variando dos modestos três por quatro aos bustos pintados a óleo. E em algumas moradas populares, ou até mesmo em casas remediadas, as escandalosas fotografias dos mortos da família, dentro dos caixões nos quais seriam enterrados. Toda minha infância foi assombrada pelo retrato do avô Pedro Zacarias de Brito morto, na parede principal da casa da minha avó materna.

O livro de contos Retratos imorais foi escrito por sugestão de imagens. Para o romance Estive lá fora elegi uma fotografia de família a cada personagem. A mais impactante é a de Sílvio, que um dia publicarei neste site, se arrumar coragem para isso. Num dos capítulos, faço a descrição minuciosa do retrato, um exercício semelhante ao que chamávamos no curso primário de “descrição”.

A lembrança dos retratos foi suscitada pela capa da edição hebraica de Galileia. Se vocês a viram na minha página no Facebook, há nela um retrato pintado, igualzinho ao do meu pai. Em Israel também havia esse costume sertanejo? Mais um ponto de semelhança entre os nossos desertos bíblicos? Ou o capista leu o romance e pesquisou pelas bandas de cá? Se alguém descobrir a resposta, por favor, me diga.

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