Édipo Rei do Brasil | Ronaldo Correia de Brito | site oficial
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crise politica

Édipo Rei do Brasil

O mito de Édipo se encaixa perfeitamente à crise política atual, como se encaixava nas crises anteriores. Vamos ler!

 

Os gregos acreditavam que a ordem do mundo era ferida por algum ato criminoso, instalando-se o caos. A ordem só seria restabelecida pela consciência e expiação do crime cometido. Esse modelo simples serviu para a construção do estado democrático e da tragédia. Sugiro aos leitores dessa página que larguem revistas, jornais, enfadonhos noticiários de televisão e rádio, entrevistas, debates e leiam Édipo Rei, buscando comparações com a tragédia política, o precipício a que chegamos.

Todos conhecem o mito que serviu de modelo à psicanálise freudiana. Mesmo assim, vamos relembrá-lo. A seca e a peste arrasavam Tebas, e o Oráculo de Delfos foi consultado. Segundo o oráculo, um crime hediondo havia sido cometido e os males só findariam quando o culpado fosse identificado e punido. A peça se inicia com a fala de Édipo aos cidadãos, que chegam ao palácio suplicando pela cidade. O rei havia decifrado o enigma da esfinge, salvando o país.

– Meus pobres filhos, eu sei bem demais o que vos traz aqui e o que esperais. Sofreis e eu também sofro: minha dor excede a vossa, seja ela qual for. Vossa dor vos aflige a um por um; eu, entretanto, sofro ao mesmo tempo pelo país e por vós e por mim…

Édipo mostra-se compassivo, mas à medida que os acontecimentos fogem ao seu controle, enreda-se no que fala, exalta-se e cria armadilhas para si mesmo. Ignora ser o autor dos delitos que trouxeram a desgraça para Tebas.

Nas peças de Ésquilo e Sófocles, o herói trágico cumpre a ação traçada pelo destino, mesmo que ela exceda o seu discernimento e querer. Resta-lhe unicamente acatar o que estava escrito, e pela consciência do ato trágico, refazer a si e ao cosmo.

Apresentemos Tirésias, um cego adivinho que conhece a desgraça do rei, mas prefere calar. Trazido à presença do soberano, ele se nega a dizer o que sabe, no intuito de poupar ao rei e a si mesmo. Depois de sofrer muitas ameaças, finalmente confessa que Édipo é a maldição que pesa sobre Tebas, e afirma:

– Sobre tua cabeça pende o anátema que teus lábios lançaram!

Édipo não acredita nas palavras do vidente. Apoiado na teoria conspiratória, afirma que Tirésias e Creonte, irmão de sua esposa Jocasta, conspiram para depô-lo do trono. Esse ardil continuará em uso pelos governantes, ao longo da história. Édipo sofre de um excesso de confiança em si e na credibilidade do povo. Mas Tirésias, depois de tentar poupá-lo, é possuído do furor dos adivinhos, e o fustiga sem piedade. Revela que foi ele quem assassinou o pai, casou com a mãe e com ela teve quatro filhos, assumindo o trono paterno.

Para as nossas crises políticas, encontramos fugas melodramáticas. O corte trágico implica na apuração rigorosa do crime e na punição dos culpados. Édipo procura um criminoso, chega a si mesmo, fura os olhos e se exila. Há centenas de anos, é esta a função da tragédia: ferir, punir, restabelecer. Como não cumprimos a ordem cósmica, o final é sempre rocambolesco, uma ópera bufa com brasileiros nas ruas, agitando cartazes como os tebanos agitavam ramos, recitando em coro para o seu rei:

– As águas dos rios todos da terra
talvez não bastem para lavar a imundície
desta Casa – tamanhos são os males
já mostrados, e os mais que se há de mostrar,
premeditados, não ocasionais…

 

E agora, ó nosso glorioso Rei…
… Não deixes que lembremos teu reinado
como o que nos chegou a levantar
para adiante nos deixar cair!

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